Fonte: CONJUR
Tal assunto se torna
relevante na medida em que envolve não apenas o seu próprio conteúdo, mas
também outras questões, que decorrem de seu desdobramento, como o ativismo
judicial, o decisionismo, o enfraquecimento das instituições, o protagonismo
judicial etc. Trataremos, no dia de hoje, sobre a relação entre a teoria —
dogmática — e a práxis, a fim de compreendermos a importância subjacente
na aplicação daquilo que foi construído no âmbito teórico às práticas do
cotidiano jurídico.
Não é à toa que, dentre os problemas que envolvem as
Constituições, a materialização ganha destaque, de acordo com o classificado
por J.J. Canotilho em seu Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. Refletir o texto constitucional
na realidade das práticas jurídicas não deixou de ser um desafio diagnosticado
pelo autor. Se assim o é em relação ao que está escrito e positivado, não seria
diferente em relação àquilo que foi construído semanticamente — a interpretação
extraída do texto. Quando falamos em teoria, pretendemos dizer tudo aquilo que
já está consolidado e estruturado, com base em um conhecimento interpretativo,
partindo do pressuposto de que a sua aplicação é necessária. É preciso que
exista Teoria do Direito e dogmática jurídica para, justamente, fechar
interpretações, delimitar a aplicação do texto à prática. Teoria e dogmática
possuem premissas pré-estabelecidas, critérios que fazem parte da construção
hermenêutica do Direito. Sua principal função, nesse sentido, é efetuar o
constrangimento de eventos que comprometam a sua autonomia.
Evidentemente,
não se está pretendendo dizer que a teoria é algo a nunca ser modificado ou
questionado. Pelo contrário, o objetivo é demonstrar que a sua consolidação faz
parte de uma construção interpretativa, o que não significa dizer que se tratam
de verdades absolutas. Significa, tão somente, que sua transformação depende da
relação que estabelece com a práxis, de maneira a garantir que a teoria se
oriente — e se reoriente — pela prática. Portanto, nos termos tratados
neste ensaio, a teoria não despreza a racionalidade prática, na medida em que,
com ela, estabelece um adequado diálogo hermenêutico, assim como a práxis não
descarta a função teórica, por estar delimitada por ela. Dessa forma, a
estrutura relacional entre as duas categorias é dialética: uma comunica com a
outra, construindo as partes do imaginário jurídico.
Nesse contexto, efetuar a
discussão acerca do papel do constitucionalismo contemporâneo retorna a ser
importante. Tendo em vista que toda a estrutura do Direito se espelha na
Constituição Federal de 1988 — e está estruturada conforme ela —, o direito
constitucional deve explicitar as condições sob as quais as suas normas podem
adquirir a maior eficácia possível, o que consolida o desenvolvimento da
dogmática, da interpretação constitucional e da Teoria do Direito. Por
conseguinte, compete a ele, dentre muitas outras tarefas, realçar, despertar e
preservar a vontade de concretização da Constituição. Para que a teoria possa
ser aplicada na prática, é preciso que as instituições e os operadores
jurídicos despertem em si a vontade de que tal fato se torne realidade. Dessa
forma, estaremos mais próximos de superar o problema da materialização.
Quando Hans-George Gadamer se refere à necessidade do “elogio da
teoria”, está a metaforizar a relação que há entre a práxis e o pensamento que
está a seu serviço (a racionalidade teórica). Para o autor, elogiar a teoria
significa não apenas reconhecê-la, mas também legitimá-la, pois só o que é
reconhecido e legitimado pode ser objeto de críticas e modificações.
O pensamento
gadameriano compreende que a teoria se constitui em elemento fundamental, por
implicar na conformação do saber. Desse modo, tratar da racionalidade teórica exige
um comportamento investigativo e, nesse processo de construção, a práxis
torna-se um meio essencial. O papel do constitucionalismo (e da teoria) precisa
ser reafirmado a partir de um contexto hostil ao pensamento livre, tomando a
hermenêutica uma forma de indicar horizontes mais seguros para conduzir a
reflexão entre teoria e práxis.
Não há dúvidas de que, no contexto brasileiro, a preponderância
na prática jurídica é justamente a aversão
à teoria. Há um certo desprezo à racionalidade teórica — destacando-se
a dogmática jurídica —, ou seja, à construção interpretativa das normas, que
também faz parte do que, hoje, entendemos como fonte de Direito. É nesse
cenário que se constrói o que se entende por ativismo judicial e decisionismo —
com todos os desdobramentos que decorrem dessa matriz subjetivista, atualmente
em curso no Direito —, pois apenas aquele que não está comprometido com o
constrangimento epistemológico efetuado pela teoria é capaz de ser ativista —
partindo-se, aqui, de uma visão negativa do ativismo.
Trata-se, portanto, de entender que a teoria e a dogmática não
são meros standards retóricos,
pois possuem a sua utilidade em relação a práxis. Aceitá-la e,
consequentemente, legitimá-la fomenta a sua utilização prática, de maneira a
garantir o constrangimento ao agir livre do intérprete do Direito. No mesmo
sentido, o constitucionalismo contemporâneo deve se importar em aceitar a
racionalidade teórica e proporcionar a sua aplicação a partir de um saber
ético. Para 2019, aceitemos a teoria, não apenas pela certificação da razão,
mas também pelo sentido que ela possui dentro da construção do Direito, onde a
vida também se manifesta, afinal “a vida é, pois, a unidade de teoria e práxis,
que é a possibilidade e a tarefa de cada qual”.
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