Amanhã, dia 08 de março, será celebrado o "Dia Internacional da Mulher", data que simboliza a busca pela igualdade entre homens e mulheres. Mas, infelizmente, para as mulheres brasileiras não há tantos motivos para comemoração.
Os
dados divulgados pelo Monitor da Violência, parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e com Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelam que o Brasil permanece como uma das nações mais violentas do mundo para às mulheres.
O Brasil
teve um aumento de 7,3% nos casos de feminicídio em 2019 em comparação com
2018, aponta levantamento feito pelo G1 com base nos dados oficiais dos 26 Estados e do Distrito Federal. São 1.314 mulheres mortas pelo fato de serem mulheres - uma a cada 7 horas, em média.
Desde 9 de março de 2015, a legislação prevê penalidades mais graves para homicídios
que se encaixam na definição de feminicídio – ou seja, que envolvam
"violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à
condição de mulher". Os casos mais comuns desses assassinatos ocorrem por
motivos como a separação.
O que dizem os números recentes
Os dados divulgados pelo Monitor da Violência
apontam para a redução de 14% nos homicídios de mulheres e incremento de 7% nos
registros de feminicídio. O argumento mais utilizado nas análises tem sido o de
que estamos diante de uma melhoria dos registros deste crime, dado que a
legislação que o tipifica é de 2015 e, portanto, muito recente. De fato, esse
argumento é válido, mas é necessário também pontuar a diferença entre o
homicídio comum e o feminicídio para melhor compreensão do fenômeno.
Uma mulher, assim como qualquer outro cidadão, pode
ser assassinada em decorrência de um roubo, pelo envolvimento em alguma
atividade ilícita ou qualquer outro evento que resulte em violência. Estes
casos não são classificados como feminicídios, dado que a legislação prevê esta
tipificação apenas nos casos em que seja provado que:
1) a mulher morreu em
razão da condição de sexo feminino e;
2) em decorrência de violência doméstica
ou familiar.
No Brasil, a maioria dos casos classificados como feminicídios pelas autoridades públicas decorrem de violência doméstica, sendo o autor o companheiro ou ex-companheiro da vítima. Mas também é possível que muitos outros casos de feminicídios ocorram sem que as polícias tenham identificado os elementos de violência de gênero e/ou autoria no momento do registro do boletim de ocorrência, seja por não estarem capacitadas para uma investigação com olhar para a violência baseada em gênero, ou porque os elementos que confirmam o feminicídio aparecem no decorrer da investigação e o registro inicial não é retificado.
Mas por que esses números
são tão altos? Para as especialistas ouvidas pela reportagem, o primeiro fator,
apesar de triste, é muito fácil de apontar: é cultural, pois
“É a cultura de ‘não meter a colher’, de entender que todo problema familiar deve ser mantido dentro das famílias. Isso é muito cultural, e precisa ser modificado”, afirma, lembrando que em muitos dos casos de feminicídio cometidos por companheiros das vítimas e divulgados na imprensa há o relato de que vizinhos ouviam as agressões, mas nada fizeram. “Só que hoje a gente tem até ferramentas de denúncia anônima [caso do Ligue 180]”.
"Boas
leis, mas que sozinhas não dão conta"
O Brasil tem boas leis de combate à violência
contra a mulher. A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) é reconhecida pela Organização
das Nações Unidas (ONU) como uma das mais avançadas no mundo quando o assunto é
violência de gênero. Já a Lei 13.104/2015 incluiu o feminicídio como modalidade
de homicídio qualificado no Código Penal e também no rol dos crimes hediondos,
aqueles de extremo potencial ofensivo, que causam grande aversão à sociedade. A
pena varia de 12 a 30 anos de reclusão.
Assim como foi fácil apontar o principal
fator para a gritante violência contra a mulher no país, as entrevistadas
também são taxativas ao opinar sobre o que precisa ser agregado à legislação: políticas
públicas e educação.
“As leis são importantes, então não é
criticar a lei que vai resolver a situação. O que a legislação pede, exige,
demanda, são políticas de órgãos públicos. A gente precisa capacitar os
funcionários públicos a observar sinais de violência. O primeiro de tudo é
interromper esse movimento de violência crescente. É preciso uma rede de apoio
que funcione, com a participação de diferentes órgãos”, diz Olaya Hanashiro,
que cita, como exemplo, o próprio sistema de saúde. “Muito antes de sofrer uma
tentativa de feminicídio, a vítima passa por uma série de outras agressões
físicas. Às vezes ela chega a um pronto socorro machucada. É preciso reconhecer
esses sinais. Ela precisa receber apoio para ser retirada dessa situação de
violência”.
Se a
repressão penal não for acompanhada de políticas públicas para a redução da
violência, como políticas de redução da desigualdade, campanhas de
conscientização e de prevenção, os avanços legislativos correrão o sério risco
de cair no chamado “viés simbólico” do Direito Penal. O conceito se refere a
uma falsa e perigosa sensação de que a criminalidade está sendo controlada,
enquanto na verdade o que se gera, no longo prazo, é a descrença da população
no ordenamento jurídico.
Assim,
não há como se falar em diminuição da violência contra a mulher sem políticas
públicas direcionadas à igualdade de gênero e ao fim da cultura machista
— questões que ultrapassam o campo do Direito Penal e demandam abordagens
muito mais abrangentes, envolvendo áreas como saúde, psicologia e direitos
humanos. Medidas recentes como a flexibilização do porte e da posse de armas só
tendem a agravar o quadro de violência e aumentar os casos de feminicídio.
No lugar delas devem ser implementadas e
reforçadas ações de conscientização, prevenção, acolhimento e acompanhamento
psicológico de vítimas e agressores, visando a uma mudança comportamental sem a
qual a violência não irá cessar. A punição é importante, mas não basta. É
preciso que essas mortes não aconteçam mais.
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